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ASSOMBRO
Por que, afinal de contas, isso e não outra coisa?
Por que este ser específico, sem disfarce,
não em um ninho, mas em uma casa,
costurado não em escamas, mas em pele,
não com folhas sobre o topo, mas uma face?
Por que sobre a Terra, neste instante,
terça-feira de todas as noites,
aos olhos atentos daquela estrelinha,
depois de não ser por tantas eras,
depois de oceanos de fados e constatações,
todos os crustáceos, todas as constelações?
O que, de fato, me fez ter aparecido
nem um palmo, nem um continente mais distante,
nem um átimo, nem um milênio mais cedo?
O que me fez preencher-me assim tão precisamente?
E por que aqui agora, a mirar este dia escurecido,
resmungando irretorquível questionamento
tal qual um cachorro, um bicho rosnento?
Wislawa Szymborska
Tradução do inglês para o português de André J. Caetano
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